A Guerra dos 30 anos e Vida Academica
A GUERRA DOS 30 ANOS
Após dois anos trabalhando como pastor e educador na Morávia, João Comênio transferiu-se para Fulnek, em 1616, onde casou-se com sua primeira esposa, Madalena Vizovska, com quem teve seus dois primeiros filhos. No entanto, em 1621, o exército dos espanhóis invadiu a cidade de Fulnek em virtude da guerra dos 30 anos, causando a Comênio duas grandes perdas: a primeira se refere aos seus livros e manuscritos e a segunda, à sua esposa e filhos, que morreram vítimas da peste. Comênio se viu obrigado a reiniciar a sua produção. Devido à guerra dos 30 anos (1618-1648), Comênio precisou abandonar a sua pátria e passou por vários países, divulgando as suas ideias. Destacamos aqui as localidades de Lezno, Suécia, Londres, Transilvânia, Hungria e Amsterdã. Apesar das dificuldades que enfrentava, Comênio relacionava-se com os grandes pensadores da sua época (OLIVEIRA; COSTA, 2012).
Na sequência desses acontecimentos, iniciou-se a perseguição contra os morávios, que fugiram para a Polônia e se estabeleceram na cidade de Leszno. Nesse período, Comênio casou-se pela segunda vez com a filha de um bispo muito conhecido e importante na região, chamada de Dorotéia Cirilo. Em Fulnek, outra tragédia destruiu a cidade e, junto com ela, a casa e a biblioteca de Comênio. No ano de 1648, Dorotéia Cirilo faleceu, deixando Comênio e os cinco filhos na cidade de Leszno. Nesse período, Comênio vivenciou uma situação aguda e foi muito criticado e incompreendido pela comunidade da Morávia. Pobre e doente, seguiu para Holanda, onde se casou pela terceira vez com Johana Gasusová, no ano de 1649. Na cidade de Amsterdã, onde viveu até a sua morte, cresceu novamente como educador e reformador social, a partir de suas ideias progressistas. Em 15 de novembro de 1670, Comênio morre após adoecer gravemente. Cercado pela família e por amigos, é enterrado na igreja da pequena cidade de Naarden, onde está construído seu mausoléu.
VIDA ACADÊMICA
Apesar de sua história, Comênio teve uma vida muito produtiva. Começou sua vida acadêmica, destacando-se em Hebron, por volta de 1611, onde se preocupou em escrever um dicionário com expressões elegantes de sua língua materna, intitulado Bohemicae Thesaurus, ou Tesouro da Língua Boêmia, cujo conteúdo descreve a gramática completa da língua tcheca. Neste mesmo período, destacou-se por defender suas duas teses de doutorado, Problemata Miscelania e Syloge Quaestiorum Controversum, que foram grandemente elogiadas por seus mestres. Após um período em Heidel-berg para estudos sobre a Matemática e a Astronomia, retornou para a Boêmia. No ano de 1614, Comênio foi designado reitor da escola de Prerov, comunidade Morávia. Nesse período, se destacou e foi notadamente elogiado pela inclusão de atividades ao processo de ensino que anteriormente não eram utilizadas, como conversas, músicas e jogos, tornando a escola um espaço agradável. Com isso, eliminou da escola os castigos corporais, muito utilizados naquele período.
Destacou-se pelo seu brilhantismo como educador, principalmente, após a reforma educacional, que culminou na implantação de métodos diferenciados para o ensino das disciplinas de Artes e de Ciências. Em 1616, estabeleceu-se em Fulnek, onde atuou como pastor morávio. Em 1623, durante sua estadia em Brandeis, escreveu Labyrint sueta a ráj srdce ou O labirinto do mundo e o paraíso do coração, para consolar os que haviam sobrevivido à guerra, a fim de que pudessem encontrar alento em Cristo e não nos bens materiais; foi uma de suas obras de maior valia (LOPES, 2008). Posteriormente, foi a Londres, onde foi convidado a assumir a Reitoria da Universidade de Harvard. Negando o convite, viajou para vários países, mas acabou se fixando em Leszno. Em uma ocasião durante passagem pela Suécia, Comênio deparou-se com René Descartes no castelo de Endegeest. Apesar de se tratar de um breve encontro, acredita-se que Descartes tenha simpatizado por Comênio, tendo em vista a proximidade do pensamento de ambos com relação ao ensino realizado nas escolas da época. Tanto Comênio quanto Descartes foram intelectuais que desenvolveram métodos e defendiam a utilização destes para o processo de ensino. Idealizavam uma ciência universal a que todos pudessem ter acesso. No entanto, em um ponto as suas ideias divergiam. Descartes acreditava que a ciência deveria ser utilizada com a finalidade exclusivamente humana, desconsiderando os aspectos religiosos. Em contrapartida, Comênio acreditava que a ciência deveria ser ensinada e utilizada como uma forma de aproximar as pessoas de Deus, ou seja, com a finalidade religiosa. Suas obras pedagógicas apareceram somente no período de 1630 e 1633: a Didática tcheca, Informatorium Skóly Materké (que se traduz por Guia da Escola Materna); Janua Linguarum Reserata (traduzido Figura 2 - Retrato de René Descartes
Estimular a inteligência infantil; Facilitar a aprendizagem da leitura. Por Porta Aberta das Línguas) e a Didática Magna, a obra mais importante para a educação. Esses escritos foram desenvolvidos tanto para professores, quanto para alunos. Aos professores era indicado o aprender a fazer e, a partir disso, fundamentar a prática em uma sólida teoria; aos alunos era preciso aprender a aprender (LOPES, 2008). Já em 1642, a fim de ajudar a Suécia e melhorar o seu estudo do latim, é encomendada a Comênio, pelo Chanceler Oxenstiern, a escrita da obra Methodus Linguarum Novíssima ou Novíssimo Método das Línguas, publicada em 1947. Essa é a principal obra sobre os estudos dos idiomas escrita por Comênio, que possuía uma grande preocupação com os estudos comparativos das línguas, chegando a traçar regras para a tradução de textos (LOPES, 2008). A convite do príncipe Sigismundo Rákoczy, em 1650, Comênio assume uma escola na Hungria e nela permanece por quatro anos. Nesse período, escreve a obra Orbis pictus, (Mundo Ilustrado ou Sensível), que, segundo Lopes (2008, p. 52), consiste na síntese da sua vasta experiência pedagógica, discutindo, por meio de gravuras, três objetivos: Reter a noção aprendida; João Amós Comênio, Devido à grande influência da religião na vida e na formação de Comênio, utilizava a Bíblia como fonte de sabedoria e como fundamentação para a sua filosofia. Em 1670, antes de sua morte, escreveu ainda um resumo dos princípios pedagógicos: Spicilegium Didactium ou Didática Especial. Caro(a) aluno(a), após visualizarmos a vida e a obra de João Amós Comênio, você deve estar se perguntando: por que é importante saber a trajetória desse autor? Por que estudar a Didática Magna, texto escrito no século XVII? Conhecer a trajetória da vida e da obra desse autor é importante para que possamos compreender em que período histórico ele elaborou seu método. Comênio teve uma vida muito conturbada, como pudemos observar, no entanto o momento histórico em que ele viveu foi tão conturbado quanto. Foi no decorrer dos séculos XVI e XVII que a história da humanidade sofreu grandes transformações, principalmente na Europa, tendo em vista o declínio do sistema feudal e a ascensão do capitalismo, um período marcado pelo abismo entre ricos e pobres. A educação escolar era restrita, destinada à burguesia e de caráter religioso. Mesmo assim, a metodologia utilizada era rígida, desordenada e distante da realidade dos alunos. Comênio foi um reformador e, apesar de ser um homem de seu tempo, pensou para além dele. O seu projeto era criar condições para que o homem pudesse se adaptar ao novo contexto produtivo do século XVI e XVII. Para isso, escreveu obras que tinham como objetivo a “construção de uma cidadania para todos, pobres, ricos, homens e mulheres de todas as idades, para que as pessoas todas experimentassem a libertação da ignorância e do sofrimento [...]” (AHLERT, 2002, p. 450). Nesse período, ocorreram intensas mudanças na forma de produção e no desenvolvimento da ciência e da cultura. O clero e a nobreza diminuíam, enquanto o poder da burguesia aumentava. Assim, na medida em que a burguesia se fortalecia como classe social, disputava o poder econômico e político com a nobreza. No mesmo ritmo, crescia a necessidade de um ensino que fosse ligado às exigências do mundo da produção e dos negócios, ou seja, um ensino que contemplasse o desenvolvimento da capacidade e dos interesses dos indivíduos (LIBÂNEO, 1994). Para Ahlert (2002), a Didática Magna se apresenta como uma proposta pedagógica para o processo de ensino e de aprendizagem no período de transição entre a Idade Média e o início da Modernidade. Comênio considerava a educação um instrumento necessário às transformações sociais tão urgentes no período turbulento e conflituoso no qual viveu. Nesse sentido, a educação era o caminho para se chegar à libertação e salvação de todos. Comenius foi o fundador da didática e, em parte, da pedagogia moderna. Mas foi, ainda, um pensador, um místico, um reformador social, personalidade extraordinária, em suma. Seu nome figura ao nível dos de Rousseau, Pestalozzi e Froebel, isto é, dos maiores da educação e da pedagogia (COVELLO, 1991, p. 9). A Didática Magna, ou O Tratado de Ensinar Tudo a Todos, assunto do nosso próximo tópico, é uma das obras mais importantes para a educação institucional, tendo em vista seu caráter pioneiro no processo de democratização da escola. Retomar a obra de Comênio significa resgatar a utopia de uma educação para todos, em que as mulheres e os menos favorecidos socialmente são incluídos. Significa uma possibilidade de educação que considere a multiculturalidade, “expressa no seu esforço em garantir os conteúdos universais na língua e contexto cultural onde o ser humano está inserido. Comênio via a cultura, o seu símbolo maior, como uma força libertadora para as nações oprimidas” (AHLERT, 2002, p. 450).




Comentários
Postar um comentário